terça-feira, 7 de outubro de 2008

Mulheres, Múltiplas Mulheres

Marcelo Mário de Melo

[À minha filha, Lara, nos seus 10 anos]

Mulher
Mulherio
Mulherada

Menina
Moça
Matrona

Mãe
Madrinha
Matriarca

Musa
Maga
Madona

Mucama
Massagista
Mariposa

Morena
Mulata
Mestiça

Miss
Modelo
Monumento

Manto
Meias
Mantilha

Meneios
Miados
Manifestos

Mote
Mania
Motel


Moeda
Moda
Mordaça

Maldade
Mancha
Mazela

Malogro
Mágoa
Medo

Marido
Morada
Matriz

Mala
Machista
Masoquista

Malcriada
Maluca
Maníaca

Mascarada
Malandra
Malígna

Moralista
Maledicente
Malsã

Macerada
Manhosa
Marejada

Mimosa
Melosa
Melindrosa

Minuciosa
Mística
Misteriosa

Mobilizadora
Manifestante
Militante

Mestra
Maleável
Maneirosa

Moderna
Múltipla
Magnânima

Marcante
Majestosa
Magnífica

Mulheres
Múltiplas
Mulheres

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Reuniões/Reuniões

Marcelo Mário de Melo

No primeiro ponto da reunião
se estabelece
o cronograma
das reuniões.

No segundo ponto
a competência
das reuniões.

No terceiro ponto
o funcionamento
da reunião.

No quarto ponto
a pauta
da reunião.

No quinto ponto
se faz a síntese
dos tópicos anteriores.

O penúltimo ponto
é para deliberar sobre
a prorrogação da reunião.

No último ponto se discute
se haverá ou não
uma reunião
extraordinária.

Receita da Velha Raposa

Marcelo Mário de Melo

Urgente!
Urgente!
Passar o velho telegrama
em fax.

Trocar pela pochete
a inveterada mala preta.

E um rococó de hoje
ser impresso
na nova camiseta.

Os mais antigos alternarem
gravata paletó
com blaser e camisa listrada
mas conservando sob a calça
o velho cuecão samba-canção.

É muito útil
neste cenário
a aura de algum revolucionário
desde que seja
competentemente
morto
e do passado.

Dele se extrai apenas
as cruzes de martírio
e Amor Divino
pisando com os dois pés
o pensamento
como se faz com uma flor
ou uma Caneca.

Ao re-matado morto ilustre
se acrescente
o requentado charme
de escolhidos ex
rebeldes vivos
de preferência
navegando em bílis
o barco-umbigo.

Que se mantenha um bom clima no país
eclipsando nuvens à esquerda
e empacotando
tempestados sociais.
Mas sempre assegurando
aragens pós-modernas
e chuviscos tropicais.

Quanto ao cardápio
servir Montesquiu e Adan Smith
no couvert
ou na sobremesa.
Mas sempre assegurando
em cada refeição
receitas à Bismarck ou à Napoleão.

Seguidas todas regras
que sempre se alteie no céu de anil
o manto da bandeira liberal
com letras góticas inscritas
sobre os remendos
e a pintura nova.

E após cuidado especial
para apagar
manchas de sangue.

Rabo de Palha

Marcelo Mário de Melo

Aqueles que semeiam justiça
precisam poder levantar
um centímetro a mais
os ombros e a cabeça
quando andam pelas ruas
e entre os poderosos.

Quem luta contra o capital
precisa disto.

No mínimo é uma coisa boa
para o coração e a coluna.
E à luta popular
também é sempre bom
ter pessoas com o coração sereno
e a coluna no lugar.

Mas para alguém poder andar
com o coração em paz
e a coluna no lugar
é preciso não ter rabo de palha.

Proposta Concreta para Tempo de AIDS

Marcelo Mário de Melo

Morrerão milhares e milhões
viverão morrendo.
Burocratas farão campanhas custosas
em vídeo e policromia
com direito a coquetéis paralelos.
Crescerão o medo masturbado
e a indústria pornográfica.

Um dia rádios jornais e tevês
anunciarão a ansiada vacina.
Cinco dez anos depois
de pressões e protestos
contaminações e mais mortes
será decretado o
Dia Nacional da Vacinação Anti-AIDS

Teóricos terão tesões analíticos
de dar orgasmo em cadáver cremado.
Agentes funerários morrerão de enfarte.
Industriais da camisinha e do pornô
pirados proporão locaute.
Masoquistas e caretas saudosos
protestarão ao quadrado.
Haverá carnaval sexual sete dias.

Mas até lá
não acham vocês que seria sensato
colocar camisinha na cesta básica?

Poemas Antiburocráticos

Marcelo Mário de Melo

Os Poemas Antiburocráticos (Burocras), na sua maioria, foram escritos entre os anos de 1968 e 1969 e constituem uma crítica ao burocratismo, compreendido sob dois aspectos: a apreensão da realidade sob o filtro das quatro paredes dos pequenos círculos e a intervenção a partir das formas e das normas ossificadas. Nas formulações e no cotidiano do PCBR e da esquerda armada, mesmo emascarado nas capas do ativismo e das ações ousadas, fui descobrindo a essência e as nuances do burocratismo, a que dei um tratamento satírico, com o natural exagero das caricaturizações. A seguir, o desfile de alguns Burocras, tal e qual foram escritos e divulgados na época, em rodas de militantes. Todos os meus textos, em poesia e em prosa, foram apreendidos quando da prisão (e do assassinato sob tortura) de Odijas Carvalho, no aparelho da praia de Maria Farinha, no Recife, onde eu estava morando e de cuja queda escapei, por me encontrar numa reunião noutro estado. O grosso da parte de poesia foi reconstituído nos meus primeiros meses na Casa de Detenção do Recife, em 1971.


BUROCRA 1

O verde burocrata
ou o burocrata maduro
no seu casulo
respira o mundo
em ondas redondinhas.

O verde burocrata
ou o burocrata maduro
no seu casulo
refaz o mundo
arredondando-lhe o corte
com a sua implacável
grave e disciplinada
tesoura de decretos burocráticos.

Sucedem-se as resoluções insossas
num mar de consequências buroanêmicas.
Ou os decretos irreais pomposos
gerados em euforias de birô.

A vida irregular e borbulhante
então se organiza em prateleiras
cumprindo a cachoeira de decretos.

É quando o burocrata já cansado
de tanto recortar a vida e o vivo
encerra o expediente da tesoura
e vai dormir
ou arquivar seus sonhos.

No exato momento
em que a ditadura publica
mais um ato institucional.


BUROCRA 2

A vida é simples para o burocrata.
No seu birô
com a sua caneta
o seu papel
quorum
o verbo
e a hierarquia
ele constrói e reconstrói o mundo
como edição pilulificada de Deus
nos sete dias
da sua majestática criação.

Algum problema?
- Resolução.
Deficiência?
- Um curso, irmão.
Com morto e vivo
façam um ativo.
Para o incremento
mais um documento.
Para organizar
uma circular.

Ponto diário.
Mais reunião.
Mais um secretário.
Mais discussão.

Abaixo o foquismo
e o partidão!

BUROCRA 3

E o principal motivo
para nós sermos ateus, companheiros,
é que Deus foi um burocrata:
fez tudo por decreto
hemorroidalmente
sentado.

Por isso mesmo a sua criação
pressupôs o cão
e o seu cabedal:
o pecado
a cobra
e o Jardim do Mal.

BUROCRA 4

Raízes Ideológicas:
primeiro documento.

Caules ideológicos:
segundo documento.

Folhas ideológicas:
terceiro documento.

Flores ideológicas:
quarto documento.

Frutos ideológicos:
os foquistas tomam o poder.

Ah! Que prazer!
Mais um documento
para escrever!


BUROCRA 5

O grupo de trabalho
não está trabalhando
porque está elaborando
um plano
de trabalho.

Perguntas Incômodas

Marcelo Mário de Melo

Esquecer
compromissos programáticos
é de esquerda?

Vetar debates
é de esquerda?

Plantar
notícias anônimas
é de esquerda?

Dar rasteira
em companheiro
é de esquerda?

Casuísmo
é de esquerda?

Eleitoralismo
é de esquerda?

Cupulismo
é de esquerda?

Populismo
é de esquerda?

Nepotismo
é de esquerda?

Autopromoção
é de esquerda?

Primeiro-damismo
é de esquerda?

Apropriar-se ou descuidar-se
de recursos públicos
é de esquerda?

Caixa-2
é de esquerda?

Perpetuar-se
em diretorias de entidades
é de esquerda?

Boca de urna paga
é de esquerda?

Abusar ou omitir-se
de autoridade
é de esquerda?

Fazer
perguntas incômodas
é de direita?
























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