terça-feira, 7 de outubro de 2008

Mulheres, Múltiplas Mulheres

Marcelo Mário de Melo

[À minha filha, Lara, nos seus 10 anos]

Mulher
Mulherio
Mulherada

Menina
Moça
Matrona

Mãe
Madrinha
Matriarca

Musa
Maga
Madona

Mucama
Massagista
Mariposa

Morena
Mulata
Mestiça

Miss
Modelo
Monumento

Manto
Meias
Mantilha

Meneios
Miados
Manifestos

Mote
Mania
Motel


Moeda
Moda
Mordaça

Maldade
Mancha
Mazela

Malogro
Mágoa
Medo

Marido
Morada
Matriz

Mala
Machista
Masoquista

Malcriada
Maluca
Maníaca

Mascarada
Malandra
Malígna

Moralista
Maledicente
Malsã

Macerada
Manhosa
Marejada

Mimosa
Melosa
Melindrosa

Minuciosa
Mística
Misteriosa

Mobilizadora
Manifestante
Militante

Mestra
Maleável
Maneirosa

Moderna
Múltipla
Magnânima

Marcante
Majestosa
Magnífica

Mulheres
Múltiplas
Mulheres

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Reuniões/Reuniões

Marcelo Mário de Melo

No primeiro ponto da reunião
se estabelece
o cronograma
das reuniões.

No segundo ponto
a competência
das reuniões.

No terceiro ponto
o funcionamento
da reunião.

No quarto ponto
a pauta
da reunião.

No quinto ponto
se faz a síntese
dos tópicos anteriores.

O penúltimo ponto
é para deliberar sobre
a prorrogação da reunião.

No último ponto se discute
se haverá ou não
uma reunião
extraordinária.

Receita da Velha Raposa

Marcelo Mário de Melo

Urgente!
Urgente!
Passar o velho telegrama
em fax.

Trocar pela pochete
a inveterada mala preta.

E um rococó de hoje
ser impresso
na nova camiseta.

Os mais antigos alternarem
gravata paletó
com blaser e camisa listrada
mas conservando sob a calça
o velho cuecão samba-canção.

É muito útil
neste cenário
a aura de algum revolucionário
desde que seja
competentemente
morto
e do passado.

Dele se extrai apenas
as cruzes de martírio
e Amor Divino
pisando com os dois pés
o pensamento
como se faz com uma flor
ou uma Caneca.

Ao re-matado morto ilustre
se acrescente
o requentado charme
de escolhidos ex
rebeldes vivos
de preferência
navegando em bílis
o barco-umbigo.

Que se mantenha um bom clima no país
eclipsando nuvens à esquerda
e empacotando
tempestados sociais.
Mas sempre assegurando
aragens pós-modernas
e chuviscos tropicais.

Quanto ao cardápio
servir Montesquiu e Adan Smith
no couvert
ou na sobremesa.
Mas sempre assegurando
em cada refeição
receitas à Bismarck ou à Napoleão.

Seguidas todas regras
que sempre se alteie no céu de anil
o manto da bandeira liberal
com letras góticas inscritas
sobre os remendos
e a pintura nova.

E após cuidado especial
para apagar
manchas de sangue.

Rabo de Palha

Marcelo Mário de Melo

Aqueles que semeiam justiça
precisam poder levantar
um centímetro a mais
os ombros e a cabeça
quando andam pelas ruas
e entre os poderosos.

Quem luta contra o capital
precisa disto.

No mínimo é uma coisa boa
para o coração e a coluna.
E à luta popular
também é sempre bom
ter pessoas com o coração sereno
e a coluna no lugar.

Mas para alguém poder andar
com o coração em paz
e a coluna no lugar
é preciso não ter rabo de palha.

Proposta Concreta para Tempo de AIDS

Marcelo Mário de Melo

Morrerão milhares e milhões
viverão morrendo.
Burocratas farão campanhas custosas
em vídeo e policromia
com direito a coquetéis paralelos.
Crescerão o medo masturbado
e a indústria pornográfica.

Um dia rádios jornais e tevês
anunciarão a ansiada vacina.
Cinco dez anos depois
de pressões e protestos
contaminações e mais mortes
será decretado o
Dia Nacional da Vacinação Anti-AIDS

Teóricos terão tesões analíticos
de dar orgasmo em cadáver cremado.
Agentes funerários morrerão de enfarte.
Industriais da camisinha e do pornô
pirados proporão locaute.
Masoquistas e caretas saudosos
protestarão ao quadrado.
Haverá carnaval sexual sete dias.

Mas até lá
não acham vocês que seria sensato
colocar camisinha na cesta básica?

Poemas Antiburocráticos

Marcelo Mário de Melo

Os Poemas Antiburocráticos (Burocras), na sua maioria, foram escritos entre os anos de 1968 e 1969 e constituem uma crítica ao burocratismo, compreendido sob dois aspectos: a apreensão da realidade sob o filtro das quatro paredes dos pequenos círculos e a intervenção a partir das formas e das normas ossificadas. Nas formulações e no cotidiano do PCBR e da esquerda armada, mesmo emascarado nas capas do ativismo e das ações ousadas, fui descobrindo a essência e as nuances do burocratismo, a que dei um tratamento satírico, com o natural exagero das caricaturizações. A seguir, o desfile de alguns Burocras, tal e qual foram escritos e divulgados na época, em rodas de militantes. Todos os meus textos, em poesia e em prosa, foram apreendidos quando da prisão (e do assassinato sob tortura) de Odijas Carvalho, no aparelho da praia de Maria Farinha, no Recife, onde eu estava morando e de cuja queda escapei, por me encontrar numa reunião noutro estado. O grosso da parte de poesia foi reconstituído nos meus primeiros meses na Casa de Detenção do Recife, em 1971.


BUROCRA 1

O verde burocrata
ou o burocrata maduro
no seu casulo
respira o mundo
em ondas redondinhas.

O verde burocrata
ou o burocrata maduro
no seu casulo
refaz o mundo
arredondando-lhe o corte
com a sua implacável
grave e disciplinada
tesoura de decretos burocráticos.

Sucedem-se as resoluções insossas
num mar de consequências buroanêmicas.
Ou os decretos irreais pomposos
gerados em euforias de birô.

A vida irregular e borbulhante
então se organiza em prateleiras
cumprindo a cachoeira de decretos.

É quando o burocrata já cansado
de tanto recortar a vida e o vivo
encerra o expediente da tesoura
e vai dormir
ou arquivar seus sonhos.

No exato momento
em que a ditadura publica
mais um ato institucional.


BUROCRA 2

A vida é simples para o burocrata.
No seu birô
com a sua caneta
o seu papel
quorum
o verbo
e a hierarquia
ele constrói e reconstrói o mundo
como edição pilulificada de Deus
nos sete dias
da sua majestática criação.

Algum problema?
- Resolução.
Deficiência?
- Um curso, irmão.
Com morto e vivo
façam um ativo.
Para o incremento
mais um documento.
Para organizar
uma circular.

Ponto diário.
Mais reunião.
Mais um secretário.
Mais discussão.

Abaixo o foquismo
e o partidão!

BUROCRA 3

E o principal motivo
para nós sermos ateus, companheiros,
é que Deus foi um burocrata:
fez tudo por decreto
hemorroidalmente
sentado.

Por isso mesmo a sua criação
pressupôs o cão
e o seu cabedal:
o pecado
a cobra
e o Jardim do Mal.

BUROCRA 4

Raízes Ideológicas:
primeiro documento.

Caules ideológicos:
segundo documento.

Folhas ideológicas:
terceiro documento.

Flores ideológicas:
quarto documento.

Frutos ideológicos:
os foquistas tomam o poder.

Ah! Que prazer!
Mais um documento
para escrever!


BUROCRA 5

O grupo de trabalho
não está trabalhando
porque está elaborando
um plano
de trabalho.

Perguntas Incômodas

Marcelo Mário de Melo

Esquecer
compromissos programáticos
é de esquerda?

Vetar debates
é de esquerda?

Plantar
notícias anônimas
é de esquerda?

Dar rasteira
em companheiro
é de esquerda?

Casuísmo
é de esquerda?

Eleitoralismo
é de esquerda?

Cupulismo
é de esquerda?

Populismo
é de esquerda?

Nepotismo
é de esquerda?

Autopromoção
é de esquerda?

Primeiro-damismo
é de esquerda?

Apropriar-se ou descuidar-se
de recursos públicos
é de esquerda?

Caixa-2
é de esquerda?

Perpetuar-se
em diretorias de entidades
é de esquerda?

Boca de urna paga
é de esquerda?

Abusar ou omitir-se
de autoridade
é de esquerda?

Fazer
perguntas incômodas
é de direita?
























.

Quem o Fará?

Marcelo Mário Melo

Purgar os erros.
Lembrar os mortos.
Fecundar os sonhos.
Festejar as vitórias.

Se não fizermos isto
pela nossa causa
quem o fará?

Os Colares e as Contas

Marcelo Mário de Melo

Em memória de Ednaldo Miranda

A esperança de um homem
também cansa.
E há aquele dia
em que ele reúne as ruínas
e ensaia a retirada.

Um misto de perfume e pólvora
bafeja o colóquio
do Rei Midas
com o Rei Mídia
ali onde vampiros erguem brindes
e urnas recolhem
votos e mais votos.

Crianças amolam as navalhas
no peito dos mendigos
olhando os vendilhões
do shopping-templo.

Rosas vermelhas requebram
pintando-se de cinza/amarelo.
E pétalas vão caindo nas cloacas.

O cenário é um painel
de uniformizada geometria
onde todas as figuras se arredondam
decepando-se de bases
vértices e arestas.

Na coreografia se destaca
um quadrado de quinas desbastadas
ralando-se em rodeios de roda
e acenando ao rei.

Na orquestração
foram mixados e diluídos
os gritos e gemidos
da teia e da tocaia.

Mas emergindo da gosma
de negócios e discursos
as dores da cidade vaga-lumam
e se inscrevem
nas linhas do arco-íris.

Um raio colorido acende o chão.
O homem é arrastado à rua por um imã
e lê no céu com a multidão.

Dos olhos se descolam
películas geladas.
As bocas rugem um sopro
que unido em ventania arranca
cenários palcos máscaras
fantasias e cartazes.
E vaias vomitam línguas de fogo
formando fogueiras aladas.

Uma chuva leva as cinzas
e lava as cicatrizes.
O sol se alarga meio metro
e enxuga tudo num instante.

De um lado gritam: fogo!
Queremos fogo!

Mas nada de incêndios loucos.
Poupemos nossas chamas
como se faz com os trocados
e as roupas de domingo.

Alguém lamenta amargo:
estou cansado de plantar
sem ver os frutos!

Mas aqui ninguém ingressa
no primeiro ato
nem há de alcançar o último.
Não existem cadeiras numeradas
e às vezes as cortinas são fechadas
enquanto continua
o espetáculo sem reprise.

A vida de um homem
é um colar de contas ano a ano.
A vida de um país se conta
em colares de décadas e séculos.

Os ritmos da história
não cabem nos quadrantes do relógio
nem podem ser guardados
no cofre ou no casaco de ninguém.

Mas sem as horas e os minutos militantes
retarda-se a história
também movida
a sonhos bem guardados.

As linhas do arco-íris dizem mais
do que todas as telas coloridas.
E elas anunciam
estrada e horizonte
unindo
vaga-lumes e estrelas.
QUEM O FARÁ?

O Brasil na Velha Rima

Marcelo Mário de Melo

Pedro Álvares Cabral.
Colônia de Portugal.
Imperio nacional
peessoal
regencial.

República de marechal.
Ato adicional.
Ato institucional.
Abertura gradual.
Anistia parcial.
Eleição colegial.
Constituinte congressual.
Presidência imperial.
Corrupão visceral.

Al al al
Al al al
Al al al.

É pau.
É pau.
É pau.

Liberal.
Liberal.
Liberal.

É só mudar a rima!

Militância

Marcelo Mário de Melo

Um militante
não pode ter medo da verdade.
Porque verdadeiros são
a fome do povo
as ilusões do povo
o desencanto do povo
a alegria do povo
o atraso do povo
a sabedoria do povo
as maldades do povo
as virtudes do povo
as fraquezas do povo
e a sua força.

O militante é puro e impuro
como o seu povo.
E deve olhá-lo
e se olhar
de frente
passado
futuro
presente.

E se é verdade
que povo
sem militante
não dá um passo adiante
também é verdade
que militante
sem povo
não cria nada de novo.

O militante
deve sempre lembrar
que militar
não é querer
militarizar
a vida profana
e paisana
do povo.

Que a militância
não deve ser
uma torre de mistérios
um clube
de acionistas
minoritários & majoritários
disputando as rédeas
para cavalgar
o povo.

E é preciso ter
muito cuidado
a cada instante
para não rimar nunca
militante
com arrogante.

Porque a militância
deve ser
uma ciranda
um corpo
um caminho
largo e iluminado
que o povo segue
livre
de mãos dadas.

Fragmentos da Guerra

Marcelo Mário de Melo

Homens-vampiro
contam poços
de petróleo
& cavam poços
de $angue.

O império vomita bombas.

Braços arrancados
de crianças
cristalizam-se
nos céus.

No Iraque Irado
o pranto da vingança
germina
homens-bomba.

Hirochima.
Palestina.
Deus salve a América!
Osama nas alturas!

Elogio à Classe Dominante

Marcelo Mário de Melo

Ela sabe
eriçar os pelos
e expor as unhas
ou enroscar-se
e se roçar
cativante.

Sabe uivar
e mostrar os dentes
ou vestir-se de cordeiro
e misturar-se
no pasto.

Por altos e baixos
na luz e nas trevas
ela sabe
a caça e a caçada.

Aqueles que se beneficiam
com o seu jogo
que se dêem por satisfeitos.

Os que são prejudicados
que o mudem
totalmente.

Mas se por acaso
não for este
o objetivo
então
que se deixe
trabalhar em paz
quem exerce
tão bem
o seu ofício.

Bandeiras

Marcelo Mário de Melo

A Lorena Araujo

As nossas bandeiras
devem estar sempre
içadas
inteiras
e limpas.

Bandeiras
sujas e rasgadas
somente
pela força dos ares
do suor
ou do sangue
das campanhas.

É preciso proteger
nossas bandeiras
contra os ratos
e o mofo
das gavetas.

As nossas bandeiras
não são para ficar
o ano todo guardadas
expostas apenas
em dias de festa.

Elas devem tremular
sempre
no alto dos mastros
e nas nossas andanças
de todo dia.

Assim
passando de mão a mão
de geração a geração
as nossas bandeiras
irão ficando gastas.

E de tempos em tempos
nós as substituiremos
por outras iguais
de panos novos.

E elas se olharão
como fazem
os avós e os netos.

E ficaremos todos satisfeitos
vendo as nossas bandeiras
renovadas
desfraldadas
inteiras
e limpas.

Poema Pedagógico

Marcelo Mário de Melo

Bunda começa com B.
B é bunda desenhada.
Nenhuma parte do corpo
será assim tão letrada.

ABC da tua bunda
gostaria de escrever.
Nela sou analfabeto
mas com vontade de ler.

B é bunda desenhada.
Bunda começa com B.
Eu tenho pincel e lápis.
Vamos pintar e escrever?

A Saanta Poesia da Mulher Amada

Marcelo Mário de Melo

A mulher amada
é uma fadinha boa.

A mulher amada
é uma pombinha.

A mulher amada
é o próprio céu
bordado de anjinhos
e anjinhas
e purezinhas
e belezinhas.

A mulher amada
não tem nada feio.

A mulher amada
não faz nada feio.

E o peito
da mulher amada
é seio.

A mulher amada
minha namorada
não peida
não caga
e não dá mijada.

A mulher amada
quando mija
é só refresquinho
de graviola.

Ó mulher amada
flor da minha vida:
tu és uma santa
cagada e cuspida!

Press Blues

Marcelo Mário de Melo

Gosto de correr os seus cadernos
e lhe comer com os olhos
coluna por coluna
da manchete ao rodapé.

Aqueço-me nas suas chamadas
e me incendeio
nas matérias especiais.

Curto seus anúncios e sueltos
mas nem sempre aceito
os seus editoriais.

Adoro suas páginas abertas
e se abrindo mais
às minhas mãos.

Deleito-me nas suas coberturas
e em todos os seus furos
desejando sempre
novas edições.

Não dão pra saciar
as inserções eventuais
nos seus espaços.

Por isso
cada dia mais carente
em caixa alta
faço aqui a apelação:
EU QUERO A MINHA
ASSINATURA PERMANENTE
E MUITO MAIS:
EU QUERO FIGURAR
NO SEU EXPEDIENTE.

Caleidoscorpus

Marcelo Mário de Melo

Cabelinhos caracolam na cama
bordando balé de beijos.

Tatua pele
medulando meu delírio.

Xoxoteucheiro
incensando meu suspiro.

O rio do meu sentir
te oceana.

teu amor rende juras
e correlações planetárias.

Saudade
é esperar girândolas.

Ipsis Verbis
Ipsis Corpus
Ipsis Totum.

Te teso marejolhos

Macrolove

Marcelo Mário de Melo

Não quero ser para você
apenas
arquivo sem nome
subdiretório
beckup
ou resto na lixeira.

Nem pretendo só
inserir o meu disquete
no seu drivin.

Desejo ser
janela
ajuda
documento mestre
atalho
ícone principal
entre os seus programas favoritos.

Espero que você
me salve no seu disco rígido
me feche sempre com cuidado
me proteja com anti-vírus
e nos garanta com upgrades.

Quero que você me deixe
entrar nos seus arquivos
visualizar as suas impressões
me recortar
me colar
me editar
e me configurar
na sua tela inteira.

Mantenha sempre aberta
a sua caixa de entrada
que eu saberei clicar com jeito
o seu mouse
e penetrar nos seus periféricos
ajustando
a minha barra de ferramentas
aos contornos
da sua área de trabalho.

Por fim o apelo passional
de quem deseja com você
total integração em rede:
DELEITE-ME OU DELETE-ME!

Carinho e Carícia

Marcelo Mário de Melo

A Kalinne

Carinho penumbra o corpo.
Carícia acende a pele.

Carinho é açúcar
leite quente.

Carícia é sal
pimenta ardente.

2

Carinho de contemplar
é encosto e toque.

Carinho de consolar
é mudo e úmido.

Carinho de alegria
às vezes chora.

Carinho para quem dorme
baila nos dedos.

Carinho de acalmar
abraça e apalpa.

Carinho de ninar
balança e canta.

Carinho de animar
sacode e sopra.

Carinho à distância
veste poesia.

3

Carícia de atrair
nada nos olhos.

Carícia de começo
ferve nas mãos.

Carícia de desejo
retira pétalas.

Carícia de mergulho
bebe na flor.

Carícia de paixão
arranca nuvens.

Carícia de saudade
solta vulcões.

Carícia de amor
acende estrelas.

Carícia de final
soterra pranto.

Procura

Marcelo Mário de Melo

A Alberto Cunha Melo

Onde
a singular imagem
o salto triplo
o close do projétil
em pleno vôo?
As rimas fáceis
espreitam
e afogam
meus lugares incomuns.

Poesia pra que te Quero

Marcelo Mário de Melo

A Janice Japiassu

Para eles a poesia
é uma donzela
que não pisa no chão
e passeia de armadura
numa bolha de nuvem.

A poesia
não tem leito nos peitos
nem cheiro no sexo
e não constitui
nova versão
da Virgem Santíssima
que pariu sem pecado
mas sujou-se com o parto
e as radicalizações de mãe eleita. (*)


A poesia é uma irmã biônica do Filho
sem espinhos nem cruz
sem suor nem sangue
sem pão nem peixe
sem festa e vinho
sem óleos nem carinhos
de Madalena.

A poesia mora num bunker
aromatizado com spray
composto com peças e paisagens
em realidade virtual.

A poesia foi vacinada contra
e não se agenda para
tesões tensões contradições
confrontos e conflitos.

A poesia faz companhia limitada
a ela própria e seus eleitos
comunicando-se à distância
em circuito fechado.

A poesia se inscreve
por controle remoto
e sensibilidade remotíssima.

A poesia
é a dissecada coisa em si
e para si
com antena para nós
programada em pára-raios

(*) “Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos; eleva os humildes; aos famintos enche de bens; e despede os ricos de mãos vazias” (O cântico de Maria – Lucas, 26-38)

Pó e Ema

Marcelo Mário de Melo

A Wilsom Araujo de Souza - WAS

Folha seca.
Aramado.
Só esquema.

Siso só
sem pó
nem ema
de ré
amarrado
a-amado
a cisão
no ensejo
travo
no desejo.

Pó e Ema:
porejando
sonho
marejando
saga.

Pó e Ema:
emanando luz
poemando
a vida.

Os Quatro Pés da Mesa Posta

Marcelo Mário de Melo

Rigorosamente
sou e não sou um poeta.
Assimilei o sentimento poético
que ferve e se traduz
no meu cotidiano.
E não seria poeta somente
por ter composto poemas
ou nos momentos de compô-los.
Poesia é dimensão.
Um poeta mudo e sem mãos
continua lavrando poesia.

Todo homem é poeta.
Aquele que faz poemas
aprendeu o código
para traduzir a poesia
de todo poeta-homem.

Os poetas geniais e maiores
se explicam
pela existência das estrelas
de primeira a enésima grandeza.
Não tenho pretensões a ser grande.
Aspiro apenas ser inteiro.
A poesia de cada um
deve ser um translado
e não um mandamento.

Gosto de poesia
porque ela
é síntese
cinema
é som
ritmo
evoca
emove
acende
explode.

Ser poeta
para mim
não é exilar-se da vida
e respirar um oxigênio
de papel e palavras.
Poesia é parte-todo
é um dos quatro pés
da nossa mesa posta

Olhos Albertos

Marcelo Mário de Melo

Ao poeta Alberto Cunha Melo


Raio-luz que aclara e corta
a trama o travo o tumor.

Mão que aponta na vitrine
o lixo o calo a mordaça.

Tela timbre sopro fogo
flecha exata voz alerta.

Pá lavrando vida livre:
flores de olhos acesos.


Agosto - 2003

Desmistificação

Marcelo Mário de Melo

O sonho
a emoção
fantasia:
magia.

Claro
como o dia:
poesia.

Brinde ao Poeta

Marcelo Mário de Melo

AO poeta Jaci Bezerra

Sou amigo do poeta.
Não sou amigo do rei.
E na trilha deste mote
com o poeta brindarei
cantando nas caminhadas:
- Eu fui eu sou e serei!

Rei é sedução de corte
rédea que amarra e entranha.
E o poeta cortesão
troca musa por piranha
enreda e enrouquece o canto
em gosma e teia de aranha.

Amizade de poeta
cresce em campo iluminado
de palavras dançarinas
cantando e fazendo agrado
atando em laços de fita
coisas de um mundo encantado.

Roçando pedras de fogo
pinçando raios de sol
fazendo pipa de estrelas
de vaga-lume farol
os lampejos da amizade
dão poesia em si bemol.

É por isso que eu repito
de costas pra lei e grei
erguendo bem alto a taça
e seguro do que sei:
sou amigo do poeta
não sou amigo do rei!
Maio/03

Água Horizonte

Marcelo Mário de Melo

Ao poeta Juarez Correia


Nado na poesia:
plumo nas águas
surfo nas ondas
mergulho mundos.

Poesia
oceano
praia
porto
barco
bóia.

Poesia
nadadora
nada dores
nada ardores
submarinda
solaquecida
água-horizonte.

Nado na poesia:
nada na poesia
nega o nado.

A Propósito de Determinada Poesia

Marcelo Mário de Melo

Alguma coisa de metal e gelo
retira do caminho toda surpresa.

Alguma falta de impulso e sopro
transforma o vestido em armadura.

Alguma pasta de cimento e cinza
encerra o arco-íris num capuz.

Alguma enrijecida engenharia
amarra o abraço em dobradiças.

Alguma coisa de boneca inflável
frustrando o sabor da carne viva.

A Palavra que eu Quero

Marcelo Mário de Melo

Andei fazendo frases frouxas
de camelô e burguesa bondosa.
Andei lançando na lâmina
ferrugem e mofo
e retirando a cunha do cutelo.

Mas clamo aos quatro ventos
meu repúdio
pois não é isto que quero.

Quero que a minha palavra
água
fogo
pluma
faca
pouso
impulso
beijo e cicatriz.

Quero a minha palavra
livre
da torre
e da vitrine
do catecismo
e da bacia de Pilatos.

Quero a minha palavra
acesalimentada
na dança das idéias
no poço dos afetos
no vôo da fantasia
na febre dos sentidos.

Quero a minha palavra
antena tela espiral
girando recolhendo
todas as faíscas da vida.

A Medida da Poesia

Marcelo Mário de Melo

A Jaci Bezerra

Não quero a poesia
das coisas repletas.
Não quero a estrela
que some no ar.

Não gosto
da camisa apertada
saindo da calça
e amarrando acenos.

Não curto
a camisa de espantalho
derramando-se no corpo
e sugerindo outro dono.

Quero uma camisa
passando ou pouco
dos ombros
que me deixe vestido e livre
para me espreguiçar
e me exaltar
para dar abraços
e braçadas na vida.

Procuro uma poesia
na medida da minha camis

Retorno

Marcelo Mário de Melo

No cimo da palavra
um solilóquio
quebranta em gritos
os caminhos de vidro.

No cimo da palavra
há o retorno
ao campo aberto
do cinema vida.

Aparências e Substâncias

Marcelo Mário de Melo

A infantil risada escancarada
não perde em poesia
para
os farisaicos lábios lívidos crispados.

Não sofre mais
o chicoteado com cipó de boi
do que o empalado
com clava incrustada
de prateadas farpas.

E a bosta plástica
E as frescas fezes.
E o que é que fede?

Viajando nas Veredas da Alegria

Marcelo Mário de Melo

Massagens encantadas de poesia:
maldade que Janice Japiassu me fez
ler Veredas da Alegria viajando num ônibus
querendo pular pela janelinha
correr nas campinas
cavalgar no lombo dos bichos de estrada
subir nas árvores e nos capôs dos carros
morder as frutas dos tabuleiros
puxar as roupas dos varais
levantar as saias das mulheres
derreter as armas dos policiais
fazer caramelos com as pedras da rua
dançar com os pingos de chuva
escalar raios de sol
rebolar em capuchos de nuvem
brincar de escorrego na meia-lua
farinhar estrelas nas pessoas
desenrolar o carretel das tristezas
e fazer pula-corda
batendo palmas floradas.

Ai! Veredas da Alegria:
um circo de chuva com sol
fazendo fogueiras de riso
um sopro de lágrima e luz
sussurrando cantigas no sonho.

(Dezembro de 2000)

Poética

As folhas dançam coqueiras
e caço rimas concretas.
Nu sol nu verde in vento.

Sombras e sussurros.
Velhos viços.

A pedra fere o pé
e lavra pluma.

O peito empina
pensamentos-nuvem

Xerox-réptil-asteróide.
Poeta-pássaro-estrela

Pooesia

Marcelo Mário de Melo

Na folha em branco
me arremesso e me recolho
rigoroso e brando.

Ofegos de embrião
nos acicates
da medula adulta.

Latejam sumos
anseios gerais
e impressões digitais.

O poço da poesia
banha em lágrimas
Narciso e o espelho.

Poesia Prática

Marcelo Mário de Melo

Entre o poema e a fruta
poeticamente
lamberei os dedos
saciados.

Não Exageremos!!

Marcelo Mário de Melo

Por favor
não queiram
enfiar
poesia
onde
simplesmente
se deve
instalar
uma pia!

Exigência Visceral

Marcelo Mário de Melo

Como o amante reclama
a nudez total
e a criança quer
o pirulito inteiro
o poema exige
mesmo o pequeno poema
o fôlego largo
de uma página inteira.

Vice Verso

Marcelo Mario Melo

Te amo
em prosa
e vice
verso.

Variações Triangulares

Marcelo Mário de Melo

Buceta é escancarada.
Xibiu é apertadinho
.
Tabaco é bem cabeludo.
Vagina é toda pelada.

Xereca é mal lavada.
Xiranha dá seringada.

Priquito mostra o pinguelo.
Xoxota dá a xunxada.

Verbo Flor

Marcelo Mário de Melo

Se eu flor
Se tu flores
Se ele flor
Se nós flormos
Se vós flordes
Se eles florem

E se não flores assim
para mim
plantarei um cacto
no meu jardim.

1985

Radical de Centro (*)

Marcelo Mário de Melo

(A Tancredo Neves)

O meu cacete
não é de direita
nem de esquerda
e procura sempre
o centro
das tuas coxas.

(*) Censurado no jornal
“O Papa-Figo”, edição

O que é, o que é?

Marcelo Mário de Melo

Aquele molejo de molas.
Aquele aconchego de luvas.

Aquela quentura de lã.
Aquele conforto de espuma.

Aquela maciez de bochecha.
Aquela fofura de bunda.

Aquele isso tudo somado
era a soma daquela cintura

Nem Algozes nem Vítimas

Marcelo Mário de Melo

É preciso não explorar as mulheres.
Os homens podem dividir com elas
a cama o trabalho o poder
os afazeres de cozinha e criança.

Ninguém é dono nem chefe de ninguém.

E marido é marido,.
E pai é pai.
E irmão é irmão.
E filho é filho.
E amigo é amigo.

E somos todos iguais perante a vida.

Os homens precisam dividir
cargos e encargos
com as mulheres
porque assim serão aliviados
os fardos dele e dela
e ficarão mais livres
ela e ele.

Mas os homens precisam dividir
cargos e encargos
com a mulheres
também porque isto será
a melhor defesa contra elas
que possuem todas
as mesmas maldades de nós homens.

E nisto nós já somos plenamente iguais.

Arquivo Morto

Marcelo Mário de MELO

Difícil aceitar a passagem
de animação cultural
a patrimônio histórico
tombado e mumificado
na arqueologia das suas emoções.

Amor e Rede

Marcelo Mário de Melo

Meu amor me disse
que o amor é como rede:
remenda num canto
rasga no outro.

Um dia lhe perguntei
se não queria fazer
da nossa rede
uma cortina.

Disse que não:
“Vou remendar”

Um brilho navegou no olho dela.

Vocês acham
que o meu amor tem remendo?

Amor e Mágoa

Marcelo Mário de Melo

A mágoa seca o sonho.
A mágoa seca o pranto.
A mágoa seca o encanto.

O pranto seca a mágoa?
O sonho seca a mágoa?
O encanto seca a mágoa?

A mágoa é pranto seco?
A mágoa é sonho seco?
A mágoa é encanto seco?

Amor resiste a mágoa?

Amor de Corda Curta

Marcelo Mário de Melo

Não foram precisos
alguns anos de separação
problemas de
atração etcetração camação
um cataclisma
natural ou político
uma completa mudança de idéias
uma briga
uma irredutível
incompatibilidade de gênios.

Não foi preciso nada disto.
O amor
simplesmente
acabou-se
no vou-ali-volto-já da esquina.

O amor apenas
encolheu
a sua corda curta.

A Muriçoca e a Mosca

Marcelo Mário de Melo

A mosca é o vôo rasante
o ataque de avião
o fuc-fuc violento e breve
e a separação tão brusca.

A muriçoca não:
suave bailarina
pousante pluma-pétala
na união
no vôo a dois
no adeus.

Tanta delicadeza
só poderia mesmo
ser chamada
de cópula!

sábado, 13 de setembro de 2008

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Poética

As folhas dançam coqueiras
e caço rimas concretas.
Nu sol nu verde in vento.

Sombras e sussurros.
Velhos viços.

A pedra fere o pé
e lavra pluma.

O peito empina
pensamentos-nuvem

Xerox-réptil-asteróide.
Poeta-pássaro-estrela

Poesia

Na folha em branco
me arremesso e me recolho
rigoroso e brando.

Ofegos de embrião
nos acicates
da medula adulta.

Latejam sumos
anseios gerais
e impressões digitais.

O poço da poesia
banha em lágrimas
Narciso e o espelho.

Palavrando

A Abel Menezes

Não gosto de
viajar palavras
com mapa.

De escalar palavras
com cordas
e cravos de alpinista.

De andar palavras
com guarda-chuva
capa e sapatos
impermeáveis.

De sobrevoar palavras
com helicóptero.

De mergulhar palavras
no interior de um submarino.

Também não gosto
da palavra
bolha de sabão.

E rejeito
a palavra-arame.

Procuro a palavra
elástico
ioiô
bambolê
trapézio
motocicleta
no globo da morte
na borda do abismo claro.

Gosto de ver as palavras
nascendo
crescendo
dando as mãos em roda
dançando soltas.

Palavras se lavando e se enxugando
vestindo e tirando as roupas
brilhando no palco
escondendo-se nas nuvens.

Não gosto de decifrar palavras.
Gosto de descobri-las.

Não quero olhar palavras à distância.
Quero dançar com elas.

Abril - 05

Não Exageremos!

Por favor
não queiram
enfiar
poesia
onde
simplesmente
se deve
instalar
uma pia!

Estaca e Asa

Marcelo Mário de Melo
A Celina de Holanda


Poesia
pedra
pluma
voa
além da casa.
Poesia:
estaca e asa.

Em quem a Carapuça Couber

Marcelo Mário de Melo
A Francisco Espinhara

Calunistas literários
auditores de cultura
pitangueiros servis
de Casa Grande:
a poesia livre do Recife
corre por fora
das vossas escalas
das vossas senzalas
e alterna ativa
o cuspe na mala
o coice na fala
de todos voçês!

Conciso Derramado

Marcelo Mário de Melo
A Pedro Américo de Farias

Derramamento
em excesso
transborda o rio.

Concisão
muito concisa
rascunha a vida.

Derramado
conciso
desejo
poema
conciso
derramado.

Caçador de Palavras

Marcelo Mário de Melo
A Regina Perrusi


Caçam bichos
pra vender
(homem mulher)
pra comer.

Com mil bocas
caçam votos
caçam notícias e fama
caçam lucros e vantagens
surfando em ondas de lama.

Prefiro caçar palavras.
Brincar de caçar com elas.
Olhá-las indo e voltando
fechando e abrindo janelas.

Pega-pega.
Amarelinha.
Boca de forno.
Adivinhas.

Caçando e sendo caçado
ninguém de ninguém é presa.
E a melhor coisa do jogo
é o sabor da surpresa.

Deixo as moças encantadas
(caçador mais balarino)
com malandragem de velho
e afoiteza de menino.

Depois de cada caçada
uma a uma eu reclino
e vou pentear palavras
com escova e pente fino.

Cachoeiras eriçadas.
Dourados de águas finas.
Correntezas onduladas.
Cachoeiras cachos crinas.

Enlaço as minhas palavras
penteadas e vestidas
e vou com elas pra rua
caçar o rumo da vida.

05-06-05

As Vias do Verso

Marcelo Mário de Melo

Em memória do poeta França

Meus versos são feitos
para acender
idéias
e corpos.

Versos
vertentes
abismos
bocejos
sussurros
lamentos
louvações
gritos
gargalhadas.

Neles
eu me enramo
e me proclamo
sujo o corpo
e tomo banho
singrando
o ser-não-ser
e o sem tamanho.

De domínio público
e de delírio púbico
meus versos
são bandeiras tremulando
e mãos trelando
por baixo das saias.

Recife, 19-10-07