segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Poemas Antiburocráticos

Marcelo Mário de Melo

Os Poemas Antiburocráticos (Burocras), na sua maioria, foram escritos entre os anos de 1968 e 1969 e constituem uma crítica ao burocratismo, compreendido sob dois aspectos: a apreensão da realidade sob o filtro das quatro paredes dos pequenos círculos e a intervenção a partir das formas e das normas ossificadas. Nas formulações e no cotidiano do PCBR e da esquerda armada, mesmo emascarado nas capas do ativismo e das ações ousadas, fui descobrindo a essência e as nuances do burocratismo, a que dei um tratamento satírico, com o natural exagero das caricaturizações. A seguir, o desfile de alguns Burocras, tal e qual foram escritos e divulgados na época, em rodas de militantes. Todos os meus textos, em poesia e em prosa, foram apreendidos quando da prisão (e do assassinato sob tortura) de Odijas Carvalho, no aparelho da praia de Maria Farinha, no Recife, onde eu estava morando e de cuja queda escapei, por me encontrar numa reunião noutro estado. O grosso da parte de poesia foi reconstituído nos meus primeiros meses na Casa de Detenção do Recife, em 1971.


BUROCRA 1

O verde burocrata
ou o burocrata maduro
no seu casulo
respira o mundo
em ondas redondinhas.

O verde burocrata
ou o burocrata maduro
no seu casulo
refaz o mundo
arredondando-lhe o corte
com a sua implacável
grave e disciplinada
tesoura de decretos burocráticos.

Sucedem-se as resoluções insossas
num mar de consequências buroanêmicas.
Ou os decretos irreais pomposos
gerados em euforias de birô.

A vida irregular e borbulhante
então se organiza em prateleiras
cumprindo a cachoeira de decretos.

É quando o burocrata já cansado
de tanto recortar a vida e o vivo
encerra o expediente da tesoura
e vai dormir
ou arquivar seus sonhos.

No exato momento
em que a ditadura publica
mais um ato institucional.


BUROCRA 2

A vida é simples para o burocrata.
No seu birô
com a sua caneta
o seu papel
quorum
o verbo
e a hierarquia
ele constrói e reconstrói o mundo
como edição pilulificada de Deus
nos sete dias
da sua majestática criação.

Algum problema?
- Resolução.
Deficiência?
- Um curso, irmão.
Com morto e vivo
façam um ativo.
Para o incremento
mais um documento.
Para organizar
uma circular.

Ponto diário.
Mais reunião.
Mais um secretário.
Mais discussão.

Abaixo o foquismo
e o partidão!

BUROCRA 3

E o principal motivo
para nós sermos ateus, companheiros,
é que Deus foi um burocrata:
fez tudo por decreto
hemorroidalmente
sentado.

Por isso mesmo a sua criação
pressupôs o cão
e o seu cabedal:
o pecado
a cobra
e o Jardim do Mal.

BUROCRA 4

Raízes Ideológicas:
primeiro documento.

Caules ideológicos:
segundo documento.

Folhas ideológicas:
terceiro documento.

Flores ideológicas:
quarto documento.

Frutos ideológicos:
os foquistas tomam o poder.

Ah! Que prazer!
Mais um documento
para escrever!


BUROCRA 5

O grupo de trabalho
não está trabalhando
porque está elaborando
um plano
de trabalho.

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